Análise e interpretação do conto “Amor”
“Amor” é um conto com narração na terceira pessoa. O narrador é onisciente, tendo acesso a emoções, sentimentos e monólogos interiores. A trama gira em torno de Ana, a protagonista, uma mãe, esposa e dona de casa que ocupa o seu tempo cuidando da família e das tarefas domésticas.
Embora surjam outras personagens como o seu filho, o seu marido, e o homem cego que ela vê através da janela do bonde, Ana é a única a quem a autora confere densidade psicológica.
Acompanhamos o seu dia e os vários estados de espírito que tomam conta dela, após ter uma epifania que a faz repensar toda a sua vida: a visão de um cego mascando goma.
A “hora perigosa”: reflexão e inquietação
Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. (…) Saía então para fazer compras ou levar objetos para consertar, cuidando do lar e da família à revelia deles. Quando voltasse era o fim da tarde e as crianças vindas do colégio exigiam-na. Assim chegaria a noite, com sua tranqüila vibração. De manhã acordaria aureolada pelos calmos deveres. Encontrava os móveis de novo empoeirados e sujos, como se voltassem arrependidos.
Ana é descrita como uma mulher ativa, que dedica a sua vida à família e à manutenção da casa, procurando conservar a ordem de tudo, a “raiz firme das coisas”. Entre as inúmeras tarefas que a vida de mãe e dona de casa acarreta, tem a sua mente ocupada durante a maior parte do tempo.
Durante a tarde, contudo, havia a “hora perigosa” em que se encontrava disponível para se concentrar em si mesma. Começa, aí, a refletir sobre a vida e o percurso que a conduziu até aquele ponto.
Longe da “exaltação perturbada” do seu passado, Ana parece não se reconhecer mais na pessoa que fora antes do casamento. Nas palavras do narrador, ela “viera a cair num destino de mulher”.
Todo o seu tempo começou a ser dedicado ao marido, aos filhos e às lidas da casa, caindo no estereótipo da mulher que desiste e esquece de si mesma para se concentrar apenas na família.
Neste momento de reflexão acerca da “vida de adulto” que construíra, é notória a insatisfação de Ana, expressa pelas palavras do narrador: “também sem felicidade se vive”.
A repetição da frase “Assim ela o quisera e escolhera” sublinha a sua responsabilidade pelo modo como vivia, e também a sua acomodação. Era a “grande aceitação” que voltava ao seu rosto no “final da hora instável”.